14 de dezembro de 2021

A importância do Ministério Público na defesa dos direitos coletivos

A legitimação de titulares para representação da coletividade, especialmente a do Ministério Público visa a maior efetividade à atividade judicial no trato de demandas individuais repetitivas, além disso, decorre da necessidade de ampliação do acesso à justiça, da redução dos custos da demanda e da celeridade processual, bem como da tendência natural de inércia social quando se trata de direitos que todos são titulares, pois ao permitir que todos ajam, ninguém acaba agindo, seja por insignificância do dano quando individualmente considerado, tendo-se apenas uma dimensão maior do dano quando considerado globalmente, seja por achar que o outro irá defender o direito em nome de todos, fenômeno que Gajardoni[9] denominou de “efeito carona da atuação alheia” ou “free riding”.

Na defesa de muitos desses direitos há uma legitimação concorrente do Ministério Público com cidadãos, Defensorias Públicas, Sindicatos, Associações, entre outros. No que concerne ao Ministério Público, a CF/88 ao consagrá-lo em seu art. 127 “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbiu-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”, legitimou-o, em seu art. 129, para entre outras funções, promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

Para Mazzilli[10], “inexiste taxatividade na defesa judicial de interesses transindividuais. Por isso, além das hipóteses expressamente previstas em diversas leis, qualquer outro interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo pode em tese ser defendido em juízo, tanto pelo Ministério Público como pelos demais legitimados do art. 5º da LACP e art. 82 do CDC”.

Em recente e importante decisão[11], o STF ao reconhecer a legitimidade do Ministério Público para a defesa dos direitos e interesses de beneficiários do seguro DPVAT, nos casos de indenização paga pela seguradora em valor inferior ao determinado em lei, pacificou os entendimentos de que “na defesa dos direitos difusos e coletivos, a ação civil pública seria o protótipo de sua tutela, e o Ministério Público possui legitimidade ativa, invariavelmente em regime de substituição processual, devendo ser entendida em sentido amplo e irrestrito”, já quanto à defesa dos direitos individuais homogêneos, reputou-se que “sua coletivização teria sentido meramente instrumental, e sua tutela teria como instrumento básico a ação civil coletiva do CDC, bem como, o Ministério Público como o primeiro dos legitimados ativos, teria sua atuação em regime de substituição processual justificada pelo relevante interesse social configurada nos casos em que a lesão a esses direitos comprometeria também interesses sociais subjacentes, com assento no art. 127 da CF/88”, e definiu interesse social como “interesses cuja tutela, no âmbito de determinado ordenamento jurídico, seria julgada como oportuna para o progresso material e moral da sociedade a cujo ordenamento jurídico corresponderia”.

A legitimação do Ministério Público para a defesa de qualquer interesse coletivo, latu sensu, já foi reconhecida pelo STF em seus julgados, como exemplo, a decisão[12] do Supremo sobre a questão do aumento indevido das mensalidades escolares.

Há, ainda, casos em que o Ministério Público ajuíza Ação Civil Pública contra a coletividade determinada, visando o cumprimento de determinada obrigação, a exemplo, para impedir continuidade de greve nos serviços públicos essenciais, são as chamadas ações coletivas passivas.

A atuação extrajudicial do Ministério Público dá-se, principalmente, com o compromisso de ajustamento de conduta e o inquérito civil.

O compromisso de ajustamento de conduta previsto, pela primeira vez, na Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) em seu art. 211, foi inserido no § 6º do art. 5º da Lei nº 7.347/1985 (LACP) pela Lei nº 8.078/1990 (CDC), atribuindo-lhe a eficácia de título executivo extrajudicial, e no âmbito do Ministério Público teve sua regulamentação pela Resolução nº 23/2007 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) em seu art. 14, já no âmbito do Ministério Público do Estado de Sergipe (MPSE), a Resolução nº 02/2008 do Colégio de Procuradores de Justiça (CPJ) regulamenta o assunto nos arts. 25 a 31.

O Portal de Direitos Coletivos[13] trás a seguinte definição, “é um acordo que o Ministério Público celebra com o violador de determinado direito coletivo, com a finalidade de impedir a continuidade da situação de ilegalidade, reparar o dano ao direito coletivo e evitar a ação judicial”. Ele permite ainda, à compensação e/ou à indenização pelos danos que não possam ser recuperados. Distingue-se da transação típica, pois versa sobre interesses indisponíveis, não permitindo o legitimado dispor do direito no todo ou em parte, devendo o compromisso versar as condições de cumprimento das obrigações.

Mazzilli[14] entende ainda que “o compromisso extrajudicial não exige homologação judicial, mas, em advindo esta, deixará de ser título executivo extrajudicial para ser título judicial”.

Já o inquérito civil, previsto no art. 8º, § 1º da LACP, foi consagrado pela CF/88 em seu art. 129, III, e regulamentado pela Resolução nº 23/2007 do CNMP, e no âmbito do MPSE pela Resolução nº 02/2008 do CPJ, já no âmbito federal, pela Resolução nº 87 do Conselho Superior do Ministério Público Federal. Também conforme definição apresentada pelo Portal de Direitos Coletivos, “é um procedimento investigatório instaurado pelo Ministério Público para descobrir se um direito coletivo foi violado. Para tanto, o membro do Ministério Público pode solicitar perícia, fazer inspeções, ouvir testemunhas e requisitar documentos para firmar seu convencimento”.

Seu objetivo é apuração de elementos de convicção para eventual propositura de ação civil pública ou celebração de compromisso de ajustamento de conduta. Possui como características a informalidade, a dispensabilidade, a publicidade e a inquisitoriedade, e estrutura-se em três fases, quais sejam: a instauração, a instrução e a conclusão.

Possui natureza unilateral e facultativa, e poderá ser instaurado de ofício, por requerimento, por representação de qualquer interessado, ou por designação do Procurador-Geral de Justiça, do Conselho Superior do Ministério Público, das Câmaras de Coordenação e Revisão e dos demais órgãos superiores da Instituição, nos casos cabíveis.

Pode ser precedido de procedimento preparatório, e deverá ser concluído no prazo de um ano, prorrogável pelo mesmo prazo e quantas vezes forem necessárias, por decisão fundamentada de seu presidente, à vista da imprescindibilidade da realização ou conclusão de diligências, dando-se ciência ao órgão de revisão, que, a título de exemplo, no âmbito do MPSE é o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP).

Concluído o inquérito civil, o membro do Ministério Público proporá a ação civil pública, ou promoverá seu arquivamento, fundamentadamente, esgotadas todas às possibilidades de diligências. Há ainda, a necessidade de, em caso de arquivamento, remetê-lo ao órgão de revisão para que homologue ou rejeite-o. Ressalva-se que o arquivamento feito pelo Ministério Público não impede a propositura da ação civil pelos demais legitimados.

Na atuação judicial do Ministério Público, destaca-se principalmente, seu papel exercido na ação civil pública, no entanto, sua atuação também pauta-se como custos legis na ação popular, no mandado de segurança coletivo, no mandado de injunção coletivo e nas demais ações de interesse coletivo. No tocante a ação popular, o Parquet pode atuar ainda, como substituto processual dando prosseguimento da ação em caso de desistência do autor (art. 9º da Lei nº 4.717/1965).

A ação civil pública surge do artigo 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente) em que legitima o Ministério Público para a responsabilização penal e civil pelos danos causados ao meio ambiente, e fora regulamentada pela Lei nº 7.347/1985, que ampliou tal legitimidade e os direitos difusos e coletivos protegidos, e mais tarde fora elevada a status constitucional (art. 129, III, CF/88). Com o advento do CDC que por meio de seu art. 110 acrescentou o inciso IV no art. 1º da Lei nº 7.347/1985 foi ampliado o uso da ação civil pública para defesa de qualquer interesse difuso ou coletivo. Atualmente, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar (PLC) 5.139/2009 que visa criar a Nova Lei de Ação Civil Pública.

Essa ação tem por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, e legitimou, de forma concorrente, além do Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, as autarquias, empresas públicas, fundações e sociedades de economia mista, além das associações, estas, desde que cumpridos alguns requisitos. No entanto, dispôs em seu art. 5º, § 1º que “o Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei”, e ainda, no § 3º do mesmo artigo, que “em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa”.

Diante do exposto, vê-se a crescente preocupação com a proteção dos direitos coletivos decorrente da maior participação social e do importante papel exercido pelo Ministério Público consagrando-se em suas funções de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais ou difusos e coletivos, e individuais indisponíveis atribuídas pela Constituição Federal em seus artigos 127 e 129, a partir da utilização de vários instrumentos propiciados pelo nosso ordenamento jurídico, e da ampliação dessa atuação por meio de importantes julgados dos tribunais superiores. A junção de todos esses fatores torna mais efetiva a prestação jurídica da tutela coletiva e contribui para alcançar um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, qual seja, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

REFERÊNCIAS

AMADO, Frederico. Direito Ambiental Esquematizado. 5. ed. Rio de Janeiro: Fo­rense; São Paulo: Método, 2014.

BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 set. 1990 – Edição extra e retificado em 10 jan. 2007. Disponíve­l em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em: 19 jul. 2014.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 31 jun. 2014.

Brasil. Lei nº 7.347, de 24 de julho de 198. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 jul. 1985. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7347compilada.htm>. Acesso em: 21 jul. 2014.

Brasil. Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965. Regula a ação popular. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 05 jul. 1965 e republicado em 8 abr. 1974. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4717.htm>. Acesso em: 02 ago. 2014.

BRITTO, Carlos Ayres. Teoria da constituição. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Direitos Difusos e Coletivos I: Teoria geral do processo coletivo. São Paulo: Saraiva, 2012. Coleção saberes do direito ; 34.

MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

Portal de Direitos Coletivos. Disponível em <http://www.cnmp.mp.br/direitoscoletivos/>. Acesso em: 04 jul. 2014.

CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Resolução nº 23/2007. Regulamenta os artigos 6º, inciso VII, e 7º, inciso I, da Lei Complementar nº 75/93 e os artigos 25, inciso IV, e 26, inciso I, da Lei nº 8.625/93, disciplinando, no âmbito do Ministério Público, a instauração e tramitação do inquérito civil. Brasília, DF, 17 set. 2007. Disponível em: <http://www.cnmp.mp.br/portal/images/stories/Normas/Resolucoes/resolucao_23_alterada_pela_59_10.pdf>. Acesso em: 21 jul. 2014.

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SERGIPE. Resolução nº 002/2008 – CPJ. Modifica e consolida as normas que regulamentam a instauração e tramitação do inquérito civil e procedimento preparatório no âmbito do Ministério Público, nos termos dos artigos 51, incisos IV, X e 7º, inciso I da Lei Complementar Estadual 02/90, e 25, inciso IV e 26, inciso I, da Lei nº 8.625/93. Aracaju, SE, 08 Jan. 2008. Disponível em: <https://sistemas.mp.se.gov.br/2.0/PublicDoc//PublicacaoDocumento/AbrirDocumento.aspx?cd_documento=837> Acesso em: 21 jul. 2014.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo 753. Disponível em: <http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo753.htm> Acesso em: 22 ago. 2014.

TESHEINER José, PEZZI Sabrina. Inquérito civil e compromisso de ajustamento de conduta. RDA – Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 263, p. 67-94, maio/ago. 2013.

NOTAS:

[1]  Há divergência doutrinária com relação à utilização dos termos “geração” ou “dimensão” quando referidos a Direitos Fundamentais, neste artigo utilizar-se-á o termo “geração”.

[2] Decreto nº 23.793, de 23 de janeiro de 1934, e Decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934, respectivamente.

[3] “Art. 113, 38) Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a declaração de nulidade ou anulação dos atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados ou dos Municípios”.

[4] GAJARDONI, 2012, p. 26.

[5] STF – Pleno – MS n° 22.164/SP – Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 17 nov. 1995, p. 39.206.

[6] BRITTO 2003, p. 216.

[7] Hugo Nigro 2000, p. 104 e 105. 

[8] Há divergência doutrinária quanto ao uso da terminologia “ação civil coletiva” e “ação civil pública”, que pode ser mais bem esclarecida em “http://www.processoscoletivos.net/doutrina/18-volume-1-numero-1-trimestre-01-10-2009-a-31-12-2009/83-acao-civil-publica-e-acao-coletiva-problema-terminologico”. Consideramos neste artigo, “ação civil coletiva” como sinônima e/ou gênero da qual “ação civil pública” é espécie.

[9] GAJARDONI, 2012, p. 23.

[10] Mazzilli, 2000, p. 106.

[11] STF – Pleno – RE n° 631111/GO – Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 06 e 07/08/2014 – Informativo nº 753 do STF.

[12] STF – Pleno – RE n. 163.231-3, e Súmula 643 do STF.

[13] O Portal de Direitos Coletivos “http://www.cnmp.mp.br/direitoscoletivos” foi criado pelo Conselho Nacional do Ministério Público e pelo Conselho Nacional de Justiça e reúne os bancos de dados dos inquéritos civis públicos e termos de ajustamentos de conduta dos Ministérios Públicos dos estados.

[14] Mazzilli, 2000, p. 259.

 

14 de dezembro de 2021

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